Crítico de arte Guy Brett é homenageado em exposição com grandes artistas
Com 42 obras seminais, exposição reverencia o crítico e curador britânico pelo seu importante papel internacionalização dos artistas brasileiros
No próximo dia 21 a galeria Pinakotheke em São Paulo inaugura a exposição “Anjos com Armas”. A mostra é inspirada no ensaio publicado pelo crítico, historiador e filósofo da arte Yve-Alain Bois. A exposição traz mais de 42 obras destes quatro artistas, provenientes de coleções particulares, que passaram pelas exposições na Galeria Signals.
Neste ensaio, Yve-Alain Bois homenageia Guy Brett e David Medalla, um dos fundadores da histórica Galeria Signals e sua importância na difusão da arte brasileira na Inglaterra a partir dos anos 1960. Foi por orientação de Guy Brett, que à época expuseram: Sergio Camargo, Lygia Clark, Mira Schendel e, mais tarde com o fechamento da Signals, na galeria Whitechapel, Hélio Oiticica.
A exposição “Anjos com Armas” traz mais de 42 obras destes quatro artistas, provenientes de coleções particulares.
São destaques do evento: o conjunto de Bichos, de Lygia Clark, em alumínio, o Relevo espacial (c. 1959), em acrílica sobre madeira, de Hélio Oiticica; e o Relevo nº 172, de 1967, em madeira pintada, de Sergio Camargo. Outro destaque é o Diário de Londres (1966), de Mira Schendel. Neste trabalho “ao que parece, pela primeira vez, as letras decalcadas (letraset) testemunhamos o lado espirituoso da artista que, posteriormente, iria reaparecer com força nos raros desenhos em tinta spray dos anos 1970, em tons vivos e brilhantes, e na colorida série dos ‘Toquinhos’, na qual brinca com a criação de uma linguagem particular em que as letras são associadas a cores”, escreveu Taisa Palhares, no catálogo da exposição “O espaço infindável de Mira Schendel” (2015), na Galeria Frente.
Com curadoria de Max Perlingeiro, a mostra atual é tida como um desdobramento da “Lygia Clark–100 anos“, exposição realizada em 2021-2022 pela Pinakotheke Cultural com a preciosa colaboração de Yve-Alain Bois, crítico, historiador e filósofo da arte, amigo próximo de Lygia Clark, e pesquisador no prestigioso Institute for Advanced Study, em Princeton, EUA.
“Guy Brett sempre foi a grande referência para uma melhor compreensão da produção artística no Brasil a partir dos anos 1960. Sua amizade com artistas como Sergio Camargo, Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel, na década de 1960, e, mais tarde, com Lygia Pape, Cildo Meireles, Antonio Manuel, Tunga, Waltercio Caldas, Regina Vater, Roberto Evangelista, Maria Thereza Alves, Jac Leirner, Ricardo Basbaum e Sonia Lins, propiciou a divulgação da produção artística brasileira através de diversos artigos e livros”, escreve Max Perlingeiro no livro “Brasil experimental-arte/vida: proposições e paradoxos” (editora Contracapa, 2005), com textos de Guy Brett sobre esses quinze artistas citados acima, com organização e prefácio de Katia Maciel, e tradução de Renato Rezende, é “leitura obrigatória”.
Ao longo do período da exposição, será lançado pela Edições Pinakotheke o livro “Anjos com Armas”, em dois volumes: o primeiro com a tradução em português de “Angels with Guns”, de Yve-Alain Bois; e o segundo sobre a exposição com imagens das obras de Sergio Camargo, Lygia Clark, Mira Schendel e Hélio Oiticica, textos sobre esses artistas escritos por Guy Brett, e um texto de Luciano Figueiredo, que em 2017 organizou, com Paulo Venâncio, no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, a exposição “Guy Brett: a proximidade crítica”.
Sergio Camargo (1930-1990)
“Eu acabara de começar a escrever sobre arte e estava intimamente envolvido com o Signals, grupo e espaço de exibição em Londres que apoiava experimentos e, especialmente, a arte cinética, feita por Paul Keeler e o artista David Medalla. Em uma visita que fiz a Paris com Keeler e Medalla em 1964, Sergio nos mostrou os relevos brancos que estava fazendo e, quase imediatamente, começou a falar sobre notáveis artistas brasileiros: Lygia Clark, Hélio Oiticica, Mira Schendel, entre outros. Foi um encontro feliz em vários sentidos: não apenas pela descoberta da obra de Sergio Camargo, mas também pelo interesse erudito e sensível que ele sempre teve pelas obras de outros, sem qualquer traço de inveja, e que logo se estendeu a um interesse quase paternal pelo sucesso do Signals, dirigido por um entusiasmado, porém inexperiente, grupo de pessoas, todas com cerca de vinte e poucos anos de idade”.
Mira Schendel (1919-1988)
“Quando os desenhos de Mira Schendel foram expostos pela primeira vez em Londres, em meados dos anos 1960, na galeria Signals (com a recomendação inicial de Sergio Camargo), achei sua economia espantosa. O vazio radical da folha de papel era correspondido pela extrema delicadeza dos registros. Como objetos materiais, tinham uma qualidade única, que eu nunca vira nas artes gráficas, uma combinação de formato, quantidade, dimensão, papel utilizado e técnica de inscrição. Nesse período, Mira estava em pleno desenvolvimento de uma forma de produção que renovaria de modo especial a capacidade da arte como processo de sensibilização”.
Lygia Clark (1920-1988)
“Em uma breve descrição, isso pode soar enigmático e difícil. Na prática, contudo, o desenvolvimento da obra de Lygia Clark teve extraordinária clareza. Sua coerência nos torna capazes de registrar uma trajetória que começa com a pintura e termina com a prática de uma espécie de psicoterapia. Para Lygia, isso não foi uma mudança de profissão, e sim uma continuidade em que as implicações de seus experimentos mudaram nosso entendimento do que a palavra ‘artista’ pode significar. Ela passou de uma linguagem visual em seu sentido mais puro para uma ‘linguagem do corpo’, que não é realizada ou assistida, mas vivida pelo participante de forma a permitir que uma relação eficaz e favorável à ‘cura’ ocorra em face das crises da vida”.
Hélio Oiticica (1937-1980)
“Para atender a uma exposição planejada pela Signals, obras de Hélio Oitcica haviam sido enviadas para Londres através do Itamaraty. Em vez de permitir que esses trabalhos retornassem ao Brasil sem terem sido vistos, procurei, durante o ano de 1966, um lugar para expô-los em Londres. Enquanto isso, Hélio foi convidado para participar da Bienal dos Jovens em Paris, na qual foram exibidos alguns Parangolés. Escrevi sobre a exposição para o ‘The Times’ e, mais tarde, no mesmo ano, afirmei que o Parangolé era ‘diferente de tudo que já havia visto antes’ e que a sensibilidade de Oiticica ‘poderia afetar profundamente as artes europeias e americanas’. Finalmente, a galeria Whitechapel concordou em promover uma exposição de Hélio; após muitas idas e vindas, ela foi inaugurada na primavera de 1969. Em 1965, a obra de Hélio já havia aparecido no ‘Boletim da Signals 4’, e uma mostra de sua obra tinha sido agendada para 1966. Uma primeira remessa da obra já chegara do Brasil quando o empreendimento da Signals afundou financeiramente e teve de fechar as portas”.
A mostra fica em cartaz até o dia 16 de dezembro e segue os planos de itinerar para a Pinakotheke Cultural, no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2024.